17/11/2007

Reorganizar o Território – Planeamento Estratégico: Um novo paradigma?

É nos Estados Unidos que surge pela primeira vez a aplicação de uma gestão dita estratégica aplicada ao território, fenómeno de que a cidade de São Francisco pode ser tida como verdadeira pioneira. Numa primeira fase surge como resposta por parte dos grandes empresários, e a posteriori em articulação com o município, à crise financeira e fiscal da cidade. Recorrem, então, a «técnicas do planeamento estratégico na gestão de transformações urbanas, espaciais e funcionais, bem como na construção de infra-estruturas e equipamentos susceptíveis de relançar o desenvolvimento económico da cidade.»(1) Em meados dos anos 80 eram já mais de vinte as cidades norte-americanas que recorriam a esta forma de planeamento. Quanto à Europa é possível apontar a cidade britânica de Birmingham, nomeadamente em 1986, como a primeira a aplicar os princípios desta gestão territorial dita estratégica; a este exemplo seguem-se-lhe as cidades holandesas de Roterdão e Amesterdão.

A nomenclatura “Planeamento Estratégico” deriva, antes de mais, da linguagem militar, expressando bem lógicas das suas actividades: «“estratégia” como a “arte de planificar e dirigir os grandes movimentos e as operações de guerra” (…), pois o termo deriva do vocábulo grego stratego, que é a composição resultante de stratus (exército) e ego (líder).»

Assim, somos conduzidos a reconhecer que hoje «muitos dos princípios e metodologias das estratégias militares são válidos para a gestão moderna das empresas, das grandes organizações e das cidades. Trata-se, afinal, de traçar “planos de actuação” para gerir recursos (sempre escassos) e conduzir homens (que têm espírito e sentimentos) para conquistar territórios, mercados ou qualidade de vida em condições adversas, de competitividade ou mesmo de crise aberta.»(1)

O conceito de Planeamento Estratégico, no passado vincadamente ancorado ao jargão e filosofia militares, torna-se, por assim dizer, polissémico. Presentemente é fácil encontrar a aplicação – e porque não a aplicabilidade – deste conceito numa óptica que atravessa transversalmente a nossa sociedade e os seus saberes: desde as Ciências Militares, a que deve a sua génese, até ao Marketing, Gestão, Sociologia, Urbanismo em geral, etc...
Estreitando por ora a sua conceptualização ao nível da matéria proposta no título, importa tentar compreender onde este se encaixa na ordem do Planeamento Territorial. Quer-se com isto dizer, podemo-nos questionar se estamos perante um novo e original paradigma territorial ou se, por outro lado, temos presente apenas um apêndice ou uma extensão relativamente ao modelo territorial que tem dominado o planeamento nas últimas décadas, ie, uma perspectiva funcionalista de encarar e intervencionar o e no território.
Ora, quanto a este último ponto o “estado da arte” não se encontra ainda solidamente definido. Portanto, temos patente que embora muitos autores considerem o Planeamento Estratégico como paradigma original de pensar e intervir o e no território, outros manifestam opiniões contrastantes que veiculam a ideia de que o Planeamento Estratégico mais não é do que uma ferramenta complementar ao vigente Paradigma Funcionalista de organizar, passe-se o pleonasmo, as 'funções' no espaço territorial. Se uns defendem a falência do paradigma funcionalista, outros sustentam que os princípios estratégicos complementam e não substituem através de uma ruptura paradigmática o 'olhar' com que 'vemos' o território. Embora a explicação que distingue aqui duas linhas de pensamento seja simplista e insuficiente para as compreendermos de facto, deixar-se-á para outra oportunidade discussão mais aprofundada e, convenha-se, pertinente.

Focar-se-á, neste artigo, a atenção na primeira das linhas de pensamento, o que obriga a uma breve explanação sobre as características do Planeamento Estratégico versus as do Planeamento “Convencional” Funcionalista.
Em traços gerais, podemos esboçar as principais características destas distintas lógicas de planeamento esquematizando-as da seguinte forma:




Após comparadas as respectivas características referentes a cada um dos modelos, podem-se desde já retirar algumas conclusões, em traços largos e ainda que breves e sintéticas, sobre a forma como se opera o planeamento estratégico aplicado ao território. Trata-se, então, de um modelo que visa definir e realizar um projecto de cidade cujos principais objectivos poderiam ser reunidos em duas características axiais: reforçar a competitividade das cidades, recorrendo simultaneamente a uma lógica 'simbiótica' em que a possibilidade de melhorar a qualidade de vida, quer o cidadão seja residente ou apenas utente, ganha uma importância vital. De modo a cumprir estes objectivos propostos, instrumentaliza-se de uma metodologia muito própria e característica que bebe igualmente das suas influências e antecedentes originários. Grosso modo, a planificação estratégica tende a unificar esforços no sentido de proceder aos diagnósticos que assim se vão verificando na realidade social, fazendo-o através da coordenação de actores públicos e privados, almejando a que se firme um processo coerente em que se mobilizam e cooperam um vasto leque de actores sociais urbanos. Ora, prestemos atenção, por exemplo, à afirmação que se segue: «um “contrato” de gestão entre actores políticos, económicos e sociais para o progresso desse território.» Pese embora o facto do termo “progresso” se encontrar manifesta e latentemente estigmatizado por uma ideossincrasia da qual lhe é difícil 'descolar', facilmente nesta frase compreendemos que a sua substituição, mesmo que num plano abstracto e relativamente independente à devida autoria, pelo termo “desenvolvimento” em nada nos chocaria.

Resta, todavia, esclarecer outra questão que muito certamente poderá ocasionar bastantes e justificadas dúvidas. Não se deve encarar o Planeamento Estratégico, embora a terminologia nos conduza ou nos possa induzir a uma interpretação errónea, como um “plano” na acepção tradicional do termo: trata-se, antes de mais, de um processo de intervenção e interacção político-social e cultural que visa, através da intervenção no território, organização e pessoas, espairecer e reduzir as assimetrias urbanas, aspirando e promovendo a uma coesão social mais equilibrada em torno da busca, sempre constante e sempre inacaba?, por melhores condições da qualidade de vida. Contudo, o Planeamento não se esgota ao nível do plano, no sentido estrito da palavra, antes concorre como mais um, de certo fundamental, instrumento numa óptica sistémica e sustentada destas sociedades de “capitalismo avançado” em que vivenciamos e experimentamos reflexivamente(2) no espaço-tempo como actores, indivíduos, pessoas.

(1) FERREIRA, António Fonseca, Gestão Estratégica de Cidades e Regiões, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2005
(2) BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott, Modernização Reflexiva – Política, Tradição e Estética no Mundo Moderno, Celta Editora, Oeiras, 2000
Ver também, particularmente sobre a questão da 'dinâmica' das cidades, HALL, Peter, Cities of Tomorrow, Blackwell Publishing, third edition, 2002

Retoma

Após alguns meses desde o 'início' deste blog é agora finalmente oportuno dar-lhe continuação, apresentado o que aqui se pretendeu com a sua criação.

05/07/2007

Apresentação do Caderno

Há muito que a Sociologia ocupa um lugar secundário, com algum desencanto, por entre as suas ciências companheiras. Por entre as ditas Ciências Sociais, talvez não e, nestas, tem vindo, concomitantemente, a assumir um papel de charneira onde francamente vai evidenciando as suas valências. Isto, claro está, neste país que é o nosso, um Portugal que teima em ser um Portugal dos Pequenitos. Vou escusar-me a exemplificações onde a Sociologia não é modesta; poderia falar dos nossos pares europeus, o que por si daria em letras que se estenderiam por lençóis de páginas; igualmente, nos casos anglo-saxónicos mais distantes: escuso-me a resmonear pelo simples facto de resmonear, não creio que sejamos os pequenitos portugueses nem como tal me quero assumir nessa identidade pretensa.

Serve este caderno, em súmula e na sua mais modéstia forma, para ser mais um entre outros – poucos – blogues que estimulados pela Sociologia nos trazem ao debate ou ao comentário, à compreensão como à explicação – sempre válida apenas por questões de razão, causalidade, temporalidades, mas nunca pelo dogma.

Importa pouco ao autor se o blogue é ou não importante, tal como ou essencialmente como os posts que o comporão daqui para diante. É o autor sociólogo, sim. Com gosto e alma. Importa dar visibilidade ao que ainda não se quer crer como pertinente. Embora seja a defesa do réu, parece-me a mim importante a Sociologia.